Bichos também se emocionam

petrede-gato-olhar-tristeOs animais não são máquinas insensíveis, movidas a estímulos como preconizou o filósofo Descartes. São seres com sentimentos, inteligência, memória, sujeitos a sofrimentos físicos e psíquicos. Assim defende a médica veterinária da Universidade de São Paulo (USP), Irvênia Luiza de Santis Prada, autoridade mundial na comunidade científica na área de Neuroanatomia Animal.

Ela afirma que, desde a década de 60, já está superado o pensamento que limita a capacidade dos bichos. Em recente palestra sobre as emoções dos animais, proferida durante o II Congresso Brasileiro de Bioética e Bem-Estar Animal, ela mostrou que espécies que vivem estressadas, presas ou maltratadas, acabam desenvolvendo males orgânicos. Estes podem se manifestar na pele, ou na forma de diarreias e úlceras, numa espécie de somatização. As chamadas doenças somatizadas não são “privilégio” dos humanos.

Ela contextualiza que a ciência sabe da manifestação da vida. E toda matéria viva é sensível a estímulos do ambiente. Todo ser vivo existe por meio do circuito estímulo-processamento-resposta. No caso dos animais, sejam humanos ou não, o processo prevê dois componentes, um subjetivo e outro objetivo. São as sensações e as emoções, respectivamente. No processamento, há o sentir. Já a resposta fica no âmbito das emoções. É quando o indivíduo, humano ou não, põe para fora o que sentiu a partir do estímulo recebido. Vale lembrar que a palavra emoção deriva do ex (para fora) e do moção (movimento).

“O animal percebe alguns estímulos no ambiente, que entram no seu organismo e vai até o cérebro. Ao processar, tem a sensação. Ao colocar para fora o que está sentindo, expressa a emoção. Por meio de sinais fisiológicos ou do comportamento, demonstra o que está sentindo. Daí compreendermos que a emoção é uma experiência objetiva e sensação, uma experiência subjetiva”, explica ela. Isto coloca desafios para as áreas da ciência e todas as atividades humanas que são relacionadas aos animais.

Cérebro trino
Com base nos estudos do pesquisador Mac Lean, a veterinária aponta que se pode identificar a existência do chamado cérebro trino no ser humano, que equivale a três cérebros, cada um correspondente a uma etapa evolutiva diferenciada e fundamental. A mesma estrutura observa-se em alguns mamíferos. Na parte mais profunda, há o Complexo Reptiliano, com funções neurais básicas relativas à reprodução e auto-preservação, regulação cardiovascular e respiratória, comportamento agressivo, demarcação territorial, entre outras. Nos peixes, anfíbios e répteis, é praticamente esse encéfalo o existente.

Na segunda parte do encéfalo, ainda considerando Mac Lean, a pesquisadora aponta o Sistema Límbico, correspondente a estruturas relacionadas à expressão de comportamento acompanhados de emoção. São as emoções primárias básicas, relativas aos comportamentos de auto-preservação e perpetuação da espécie, manifestados por medo, raiva, prazer e outros. Irvênia Prada mostra que o Sistema Límbico circunda o complexo reptiliano e mostra-se bem em todos os animais mamíferos. Por fim, envolvendo as duas primeiras partes, vem o Neocortéx, um complexo de diferentes funções, tornando-se progressivamente mais desenvolvido nos mamíferos mais evoluídos como o ser humano, chipanzés e golfinhos.

No Neocórtex se observam regiões chamadas lobos: fontal, relacionado à deliberação e regulação de ações e comportamentos; pariental, responsável pelo intercâmbio de informações com o restante do corpo; temporal, ligado à noção espacial e algumas funções associativas complexas, como memória; e occipital, relacionado à visão. Segundo Irvênia Prada, a diferença entre os cérebros dos seres humanos e dos demais animais mamíferos dá-se mais em termos de proporção entre as partes. “Em todos os mamíferos, a organização do cérebro é a mesma do ser humano. O cérebro inicial tem uma representação avantajada, o córtex sensório-motor também, mas a área pré-frontal é menos desenvolvida e varia de dimensão nas diversas espécies animais. Nos primatas e golfinhos, ela já se mostra bem desenvolvida”.

Ela explica que, na expressão do comportamento, por meio do Sistema Nervoso Autônomo (SNA), há dois aspectos: a fluência e a disfluência comportamental. Na primeira, os animais exteriorizam atitudes mais harmônicas, como se observa nas atividades de zooterapia com cavalos e cães entre crianças e idosos ou o cão-guia acompanhando cegos. Na disfluência, os bichos expressão profundo mal-estar. Organicamente apresentam respiração acelerada, músculos tensos, pupilas dilatadas, secreções de hormônios do estresse como adrenalina e cortisol, além de picos de pressão arterial. Assim são as cenas de animais brigando ou sendo maltratados em vaquejadas, rodeios ou outras situações comprometedores do seu bem-estar. Na disfluência comportamental, estão em ação estruturas do Sistema Límbico. Já nos momentos de fluência, que requerem atitudes mais elaboradas, até sutis, entra em ação os circuitos do Neocórtex.

petrede-pug-tristeAssim como os seres humanos, os bichos também ficam sujeitos a distúrbios mentais que são somatizados no corpo. Ela cita o caso de uma cadela que atuou no Iraque como farejadora de bombas. Após três anos de trabalho, o animal expressou transtornos pós-traumáticos, semelhantes ao verificados nos humanos.

“A visão cartesiana está ultrapassada. Coloca-se um desafio para os cientistas, a sociedade, todo mundo que trabalha com espetáculos para diversão humana, pesquisas em laboratório, das pessoas que trabalham com produtos alimentícios de origem animal. Devemos enxergar o animal como um ser que sofre. Não precisamos perguntar se eles têm cérebro, se têm consciência. Basta perguntar se eles sofrem. Isto já é um forte indício de que o ser humano tem que mudar sua atitude em relação aos animais. Eles sofrem, não só fisicamente, nas lesões orgânicas. Sofrem transtornos mentais também”.

Inteligência
“Os animais são seres inteligentes e com sentimentos”
Irvênia Prada
Médica Veterinária

Lobos cerebrais
4 áreas compõem o encéfalo nos mamíferos. São os lobos cerebrais frontal, pariental, occipital e temporal. O encéfalo é formado pelo cérebro, o cerebelo e o tronco encefálico.