Os interesses envolvidos na lei da vaquejada

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Sancionada no começo deste ano, a lei que regulamenta a vaquejada como prática esportiva e cultural no Ceará tem gerado muita revolta, principalmente em torno da defesa dos animais. Para entidades como a União Internacional Protetora dos Animais, o animal utilizado nos torneios sofre maus-tratos e a lei legitimaria o abuso. Para além dessa questão, um detalhe parece passar despercebido: o aspecto cultural emprestado à vaquejada, apresentado na justificativa para a regulamentação da atividade, pode não ser tão verdadeiro.

O autor do projeto de lei, o deputado Wellington Landim (PSB) defende que a vaquejada é “uma tradição cultural que está impregnada na vida do nordestino”. Para ele, depois do futebol, “é o esporte que mais junta pessoas no Ceará”. Além disso, ele associa a prática cruel ao divertimento, dizendo que “ela tem uma interligação com o comércio regional e a indústria do entretenimento. Traz pra região um público cativo que procura lazer”.

Porém, para o professor do curso de História da Universidade Federal do Ceará (UFC), Régis Lopes, em declaração para o jornal O Povo, a lei trata de “uma questão e interesse econômico, porque do ponto de vista histórico não tem o menor sentido”.

De acordo com o docente, o texto, que cita escritos de autoria do historiador Câmara Cascudo e do escritor José de Alencar validando a tradição, “é uma apropriação completamente anacrônica”. “A vaquejada, hoje, não tem absolutamente nada a ver com a criação destes animais do século 18, 17. Acho que é uma irresponsabilidade dizer que isso tem alguma a coisa a ver com cultura”, diz.

Cultura ou não

A alegação dos defensores da vaquejada é a de que se trata de uma genuína manifestação cultural regional e, mesmo que fosse comprovada historicamente (o que não é, como firmado pelo docente) as manifestações culturais – graças à evolução da consciência humana e da doutrina dos direitos fundamentais – não podem sobrepor-se a esses direitos e princípios. A condenação da crueldade há muito deixou de visar apenas os humanos, mas abrange os seres como um todo.

O fato de a mutilação do clitóris das mulheres ser uma manifestação cultural autêntica – e milenar – de alguns povos tradicionais não lhe retira o caráter de atentado à dignidade humana e como tal deve ser enfrentado. Inaceitável também é o sacrifício de animais por métodos cruéis e torturantes, como o fazem algumas tradições religiosas e culturais. Pesquisas científicas demonstram que além de sentir dores, os animais têm sentimentos, alguns se comunicam e outros até tem consciência.

Nas vaquejadas, não há apenas o ato principal de quebrar a cauda do animal, provocando-lhe dores excruciantes pela separação das vértebras em face da conexão da medula espinhal com as raízes dos nervos espinhais, por onde trafegam inclusive os estímulos nociceptivos (causadores de dor), ou a queda traumática, provocada pelo puxão do laço. Antes disso, há o confinamento prévio do animal por longo período, com a utilização de açoites e outros instrumentos martirizantes, além da introdução de pimenta e mostarda via anal, choques elétricos e outros maus-tratos abomináveis, além da privação de sua liberdade.

Os ganhos advindos através desses métodos não se justificam moralmente, nem juridicamente, por terem base na exploração da crueldade. Além da mobilização da consciência humanitária da sociedade, espera-se a pronta ação independente e coerente do Ministério Público contra essa incongruência.

Com informações de O Povo Online

Nota da Redação: A confirmação da ausência histórica da vaquejada na cultura cearense só reforça as certezas de interesses puramente econômicos na exploração e sofrimento destes animais. A preservação de um evento cruel, impropriamente travestido de expressão cultural, nada mais é do que a ganância, a insensibilidade e a ignorância humanas, colocadas a frente do direito e respeito animal. O massacre de um animal não pode ser justificado pela geração de recursos e enriquecimento público, pois é inadmissível ser espectador passivo e permitir a dor e o terror de animais em troca de dinheiro. Não podemos admitir que o crime seja escondido sob a farsa da tradição e, erroneamente, da cultura.