Precisamos usar animais como cobaias?

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Ratos, macacos, pássaros e cachorros fizeram contribuições inegáveis para a Medicina e para a Ciência em geral. O modo como eles ajudaram (e ajudam), contudo, é motivo de controvérsia: infectados ou feridos de propósito para que pesquisadores pudessem testar a eficácia de remédios e outros tratamentos; forçados a consumir produtos diversos (como alimentos e cosméticos) para descobrir se tais produtos são seguros para consumo humano. Por um lado, milhares de pessoas teriam morrido se não fosse pelos avanços feitos graças ao uso de animais; por outro, o sofrimento causado levanta a seguinte questão: vale a pena?

Em artigo publicado no Huffington Post, o médico e professor de neurologia e neurociência na Universidade de Iowa (EUA) William T. Talman argumenta que, sim, vale a pena realizar experimentos com animais. Contrariando o argumento de que “nenhum grande avanço científico teria vindo desse tipo de pesquisa”, ele cita um pronunciamento feito em 1994 pelo Serviço de Saúde Pública dos Estados Unidos segundo o qual “virtualmente toda conquista médica do último século dependeu direta ou indiretamente de pesquisas feitas com animais”.

“Além disso”, diz, “considere que nos últimos 40 anos apenas um Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina não dependeu de pesquisas com animais para as descobertas fundamentais que levaram ao prêmio”. Talman destaca que essas descobertas pavimentam o caminho para outras e, também, para curas e tratamentos.

Frutos do sacrifício
O médico lembra que é preciso ter cautela ao se aproveitar em humanos os resultados de estudos feitos com animais. “De fato, essa necessidade é reconhecida em regulamentações que exigem que mais de uma espécie não humana de animal seja usada para testar novos medicamentos antes que eles sejam usados em humanos”, aponta.

Diante daqueles que defendem o teste exclusivamente em seres humanos, ele questiona: “É mesmo? Eles estão prontos para se voluntariar? Mesmo que estivessem, ou que alguém fosse coagido (digamos, prisioneiros ou pacientes terminais), nós realmente gostaríamos de mover nossa sociedade nessa direção? Deveria o valor colocado em um ser humano que é (ou era) consciente ser ordenado por critérios feitos por outra pessoa, para que aqueles que estivessem mais abaixo no ranking pudessem passar por tratamentos não testados?”.

Visto que o ser humano também faz parte do reino animal, Talman ressalta que o estudo de outros organismos pode contribuir fortemente para entendermos melhor a fisiologia humana – e, naturalmente, a fisiologia dos outros animais também.

Ele cita como exemplo um estudo feito este ano por pesquisadores da Universidade de Cambridge (Inglaterra) em que cachorros paralisados recuperaram a capacidade de andar graças a pesquisas anteriores feitas com cães e roedores.

“Perceba que, mesmo que todos os testes fossem realizados em humanos, nossos animais perderiam os benefícios de medicações cuja utilidade foi encontrada em não humanos”, diz o médico. “Mais do que isso, animais tratados com remédios testados apenas em humanos poderiam morrer por causa de efeitos colaterais que não foram percebidos nos voluntários”. Como exemplo, ele cita a aspirina, que pode ser letal para gatos.

Nas décadas de 1950 e 1960, um medicamento chamado talidomida, criado para tratar enjoo durante a gravidez, foi usado por muitas pessoas sem ter passado por testes. Resultado: milhares de crianças nasceram com deformações físicas severas (como braços e pernas curtos ou mesmo ausentes). Os efeitos foram demonstrados depois em animais de laboratório, levando a droga a ser proibida nos Estados Unidos e em outros países.

Proteção (em termos)
Talman não nega que há muitos casos em que animais sofrem abusos que ultrapassam os objetivos da pesquisa, e recorda a existência de normas específicas pelas quais um projeto que faz uso de animais deve passar antes de receber financiamento – e que irregularidades devem, sim, ser combatidas e corrigidas.

Por outro lado, ele critica atos de violência praticados por determinados grupos que são contrários ao uso de animais em laboratórios – como ocorreu recentemente no Chile, em que membros do Front de Liberação Animal assumiram a autoria de um bombardeio feito a carros de cientistas que participariam de uma reunião no país.

“Não parece incongruente que alguns daqueles que dizem se importar tanto com a vida animal se preocupem tão pouco com a vida humana, a ponto de ameaçar a vida de cientistas cujo objetivo era descobrir formas de curar?”, questiona.

Por fim, ele afirma que aqueles que acreditam que as pesquisas com animais deveriam ter sido definitivamente banidas da ciência escolheram “um mundo sem tratamento ou cura para doenças domo HIV/Aids, ataques cardíacos, derrames, doença de Parkinson, poliomielite, hepatite, diabetes, tétano, varíola, tuberculose, pneumonia, e tantas outras”.

Autor: Guilherme de Souza
Fonte: HipeScience