Cão também é gente, mas nem tanto

“Cachorro é um ser humano como outro qualquer.” Foi com esta frase que determinado político entrou para a História do Brasil ao utilizar um carro oficial para levar sua cadela ao veterinário. Realmente, como político, ele foi excelente dono de bicho. E não é preciso ser político para se amar um animal como se fosse “um de nós”, o filho ou irmão que não temos, ou o companheiro sempre bem-vindo, mesmo se for encontrado na rua, ou, talvez melhor dizendo, se ele nos encontrar.

Não há nada errado em dar ao cão nome de gente, vesti-lo com uma roupinha de gente (ainda mais se ele tiver pelo curto e o clima estiver frio) ou conversar com ele como se fosse gente.

Afinal, o cão também é um ser vivo, também gosta de ser bem tratado e acarinhado, também tem prazeres e sentimentos, e está provado que sua inteligência equivale a uma criança humana de dois anos e meio de idade. Agora, devemos ter sempre em mente o outro lado da moeda: assim como crianças humanas não devem ser mimadas, excesso de paparico pode ser prejudicial ao cão. Se cuidar de menos é ruim, cuidar demais também é. Ou, como resume o verso de Erasmo Carlos: “proteção desprotege e carinho demais faz arrepender”.

Muita gente traz o filhotinho para casa e adora quando ele sobe na cama para dar bom dia. Adora até perceber que… um ano depois o filhotinho já virou adulto e se transformou num “homenzarrão” ou “mulherona” de quase vinte quilos que se recusa a não subir e mais ainda a descer da cama, afinal, sigamos o raciocínio canino: sempre o deixaram, por que proibir agora? Tem também as festas de aniversário quando, de repente, lá vem o “pidão” com aquele olhar de quem não come há meses, e ganha um pedaço de bolo aqui, um brigadeiro acolá, e, possivelmente, um problema digestivo ou circulatório que pode ser até fatal. Surge então a queixa inevitável a respeito do que poderia ter sido evitado: “Ah, o cachorro pediu tanto que eu não resisti, eu nem sabia que estava fazendo mal para ele…”

Há vários motivos pelos quais os cães devem comer ração especial para eles. Nossa comida pode lhes causar mau hálito e, por sujar mais facilmente os dentes, maior dificuldade na higiene bucal (cães são menos sujeitos a cáries, mas não a tártaro e infecção nas gengivas), sem falar que vinagre, sal, açúcar e outros temperos podem lhes fazer mal à saúde (cães também estão sujeitos a males como diabetes e colesterol). Além disso, as rações têm antioxidantes que beneficiam algo que os cães têm em quantidade bem maior que os humanos: o pelo. E os dejetos resultantes são mais consistentes, menos fétidos e mais fáceis de limpar. “Rações para cães têm fibras, proteínas, aminoácidos, tudo o que o cão precisa na quantidade balanceada”, explica o veterinário Alex Luciano Fernandes. “Quem dá comida caseira para o cão, por exemplo, arroz, carne, cenoura, torna mais difícil balancear os nutrientes de que o bicho precisa. O excesso de proteínas, por exemplo, resseca as fezes.” Comer ração implica em outros benefícios: “O cachorro come menos porque a ração atende melhor às suas necessidades alimentares, e por isso ele faz também menos cocô.”

Obviamente, educar o cão implica em recompensá-lo quando ele se comportar bem, e isso inclui dar-lhe petiscos, mas aqueles especiais, não dos nossos. (Por sinal, os seres humanos fariam bem em observar melhor os próprios alimentos, temperos e petiscos.) Chocolate, nem pensar: o cacau contém teobromina, que a partir de certa quantidade é fatal a cães e vários mamíferos (lembramos por exemplo a atriz Elizabeth Taylor, cujo esquilo de estimação simplesmente morreu após devorar meio ovo de Páscoa sozinho. “Quando eu o vi morto, eu mesma quase morri”, lembrou Liz anos mais tarde. “Chocolate é perigoso não só para cachorros, mas para todos os tipos de animais”). Felizmente, hoje existem chocolates especiais para cães.

Se o cão vier filar bóia durante nosso almoço ou café, nada de lhe dar o que não deve comer, por coração mole ou para que ele nos deixe em paz, muito menos castigá-lo, afinal, pedir comida não é crime, pelo contrário, faz parte do instinto de conservação, e pedido não é roubado. Devemos conversar com ele, negando-lhe nossa comida de maneira firme, porém afetuosa, e recompensá-lo por esperar pacientemente que lhe demos um petisco adequado. O mesmo vale para ensinarmos onde o cão pode e não pode dormir, brincar, fazer o número um e o número dois e passear.

Em resumo: não queremos o melhor para nossos filhos? Pois façamos o melhor (conscientes de que é o melhor mesmo) também para nossos cães, eternas crianças de dois anos e meio, sempre prontas a retribuir o prazer e alegria que damos para eles. E o único cachorro que come comida humana (ou melhor, tranqueiras humanas) à vontade e passa muito bem é aquele dogue alemão maluco do desenho animado que passa na TV, o tão conhecido Scooby-Doo.

Fonte: Yahoo!