Como cuidar de cães recém-nascidos

No artigo anterior falei sobre como cuidar de cães velhinhos e o que fazer quando eles morrem. Pois bem, não é só no dicionário que a morte vem antes da vida. Mas a vida continua. Hoje é a vez de falarmos dos caninos quando chegam ao mundo, especialmente se precisarem de ajuda humana.

Primeiro, o mais urgente: um guia geral de como recolher e cuidar dos peludinhos que aparecem em nosso caminho, abandonados na rua, cabendo a nós a função de pai e mãe. Em seguida, não custa nada – pelo contrário, é até bom – darmos uma assessoria às ninhadas caninas que tivermos no aconchego do lar, especialmente se forem muitos filhotes.

Filhotes encontrados na rua
Para começar, uma ligeira cronologia. O período mais crítico são as primeiras quatro semanas de vida do bicho: ele perde o cordão umbilical por volta do terceiro dia de vida, abre os olhos entre dez dias a duas semanas, ganha os primeiros dentinhos em 30 a 40 dias. E precisa de alimentação a cada duas horas na primeira semana de vida, caindo para três horas nas duas semanas seguintes e quatro na quarta semana. (Isso mesmo, dormir para quê? Mas, tal como com nossas crias humanas, perder sono é um preço pequeno a pagar pelos resultados).

Como lembrei em outro artigo, o crescimento dos caninos não é linear como o dos humanos: os peludos ficam adultos em um ano, e na primeira infância seu peso chega a aumentar 10% ao dia! Daí eles precisarem se alimentar muito bem, e com frequência, nas primeiras semanas de vida.

Se o filhote for realmente pequetitico, a primeira coisa a fazer é o teste de sucção, colocando-lhe um dedo na boca para ele “mamar”. Caso ele não mame, poderá estar debilitado a ponto de necessitar alimentação intravenosa. Corra então ao veterinário – e aproveite para verificar se o bicho não tem alguma fratura ou problema de pele.

Providencie também itens como muitas toalhas grandes e pequenas, termômetros portáteis e de parede (para medir as temperaturas do bicho e do ambiente), fio dental, uma balança pequena, seringas sem agulha, muitos jornais velhos (para o bicho usar como banheiro) e muitos sacos para lixo. Fique de olho em sintomas como desidratação, diarreia, vômitos, choro contínuo e pouco aumento de peso; em caso de dúvida, procure o veterinário.

Ah, sim: banho só a partir dos dois meses de idade, quando o sistema imunológico do canino contra afecções de pele já estiver desenvolvido. Antes disso, limpe o bichinho com uma toalha ou pano embebido em soro fisiológico; para o ânus e genitais, algodão com água morna; e, para limpar os olhos, solução de ácido bórico.

E o que o cão vai papar? Mais uma comparação com seres humanos: o ideal nas primeiras semanas de vida é leite materno. Se você tiver uma cadela adulta em casa, ela será uma excelente mãe adotiva para amamentar o peludinho – além de cuidar dele, mantendo-o limpo e aquecido (sempre me lembro de um editor com quem trabalhei e que saudou meu primeiro livro dizendo “vamos lamber a cria!”). Caso não tenha, evite leite de vaca integral e use leite desnatado morno. Dê-lhe leite na mamadeira até três semanas de vida, trocando então por papinha (especial para cães ou ração amolecida com água morna), substituindo a mamadeira aos poucos; na quinta semana ele já poderá – e deverá – entrar na ração seca normal para cães.

Atenção: lembre-se de que cão também é gente, mas nem tanto: nem pense em tratar seu bebê como humano a ponto de dar-lhe mamadeira colocando-o de barriga para cima, pois cão nasceu para se alimentar de barriga para baixo, de modo que o alimento não lhe invada os pulmões causando pneumonia ou até morte por asfixia.

Pode-se reforçar a mamadeira do filhote, com uma receita que li na Cães & Cia.: 200ml de leite com lactose, 50g de creme de leite, meia colher de manteiga e uma gema de ovo cru. Nham!

A passagem para a alimentação sólida irá coincidir com a primeira vermifugação; as vacinas esperam mais um pouco, aos 45 dias de vida. O quartinho do nenê peludo deve ser bem ventilado, porém sem correntes de ar; para a hora de nanar, vai bem um cobertor térmico ou bolsa de água quente, com temperatura de aproximadamente 30 graus na primeira semana de vida e 24 graus até a quinta semana. Se você precisar usar estufa ou incubadora, não se esqueça de uma bacia de água para manter o ar suficientemente úmido.

Filhotes nascidos em casa
Aí fica mais fácil, mas é ideal ter à mão a parafernália que mencionei acima: toalhas, balança, jornais velhos, seringas e tudo o mais. E veja só: à medida que a mãe for tendo contrações para dar à luz, coloque os recém-nascidos de volta junto com ela, pois cuidar dos recém-nascidos relaxa a cadela e estimula as contrações para nascimento dos filhotes restantes.

Quando o trabalho de parto tiver terminado, dê à mamãe canina uma tigela de leite (pode ser também leite condensado e água com uma gema de ovo), como prêmio, carinho e estímulo para ela produzir mais leite.

Alguns filhotes nascem silenciosos demais e podem precisar do equivalente ao tapa no bumbum dos bebês humanos: uma boa esfregada com uma toalha rugosa ou mergulhos rápidos alternados em bacias de água fria e quente (só até o pescoço do peludo!) até ele começar a respirar normalmente, enxugando-o em seguida.

Caso não haja tempo de encher bacias (cada segundo conta para “trazer à vida” um filhote!), abra as torneiras de água quente e fria. Se isso não funcionar, respiração artificial pode resolver: coloque o cão deitado de costas, puxe-lhe a língua para fora e sopre suavemente em sua boca enquanto massageia seu peito; isto pode levar até vinte minutos. Caso o filhote esteja “entupido” de muco, use a seringa para removê-lo.

Pode acontecer de a mãe rejeitar um dos filhotes, por sentir que há algo errado com ele ou simplesmente por ele ser menos quentinho que os outros; experimente então aquecê-lo um pouco com um cobertor ou bolsa de água quente e devolvê-lo à mãe.

Ah, sim: evite que muita gente fique bulindo demais com o bichinho, para ele não se incomodar nem contrair doenças. Enfim, uma das melhores coisas da vida é tratar e salvar entes queridos, inclusive cães de estimação, especialmente na situação e idade em que eles mais precisarem. E, como diz aquele samba em que Billy Blanco brinca com o famoso poema de Coelho Neto sobre a maternidade, “é prova de juízo a gente por vontade padecer no paraíso”.