O perigo dos cães ferozes

Donos, criadores de cães perigosos e quem detiver a sua guarda responderão civil e penalmente pelos danos que o animal causar. Nos próximos dias, a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) votará em caráter terminativo o projeto de lei, de autoria do senador Valter Pereira (PMDB-MS), que lista as raças caninas consideradas perigosas e veda a circulação desses cachorros em locais públicos sem coleiras e focinheiras. Também proíbe a reprodução de cães pit bull, tornando obrigatória a esterilização dos machos.

Quem desrespeitar essas normas cometerá crime de exposição da vida de outrem a perigo direto ou iminente, contemplado no Código Penal com pena de detenção de três meses a um ano, que pode ser ampliada em um terço se o animal for usado para a prática de crimes dolosos. Quem circular com o animal sem a devida proteção será multado em R$ 100,00. Ataques que resultem em morte ou lesão corporal levarão o proprietário a responder por homicídio culposo, com pena de até 20 anos de reclusão.

Essas restrições são necessárias, se considerados os altos índices de ocorrências envolvendo cães ferozes, com não poucos casos fatais. E a legislação carece de normas específicas para esses delitos.

Segundo o Ministério da Saúde, em 2009 foram internadas em estado grave pelo menos 509 pessoas atacadas por cães. O total de vítimas com lesões profundas e superficiais é muito maior.

A Secretaria Estadual da Saúde de São Paulo registrou 85,4 mil casos de ataques de cães ocorridos entre 2005 e 2009. Na cidade de São Paulo são 17,4 mil ataques de cães ao ano e, na região do ABC, há registros de 4 ocorrências por dia. Das pessoas internadas, 34% sofreram ferimentos profundos.

Mesmo que os ferimentos sejam leves, advertem os infectologistas, a mordida do cão transmite uma variedade grande de bactérias que podem provocar infecções. A atenção médica deve ser ainda maior nos casos de mordidas por cães de rua, que podem transmitir a raiva – doença que mata na grande maioria dos casos.

O projeto de lei acerta, portanto, ao responsabilizar os donos pelos ferimentos causados pelos seus cachorros.

O que está provocando forte celeuma é o dispositivo do projeto que veda a reprodução da raça pit bull. Entidades que representam criadores de raças consideradas perigosas anunciaram que apelarão à Justiça, arguindo a inconstitucionalidade do projeto.

O projeto considera perigosas as raças rottweiler, fila, pastor alemão, mastim, dobermann, pit bull, schnauzer gigante, akita, boxer, bullmatif, cane corso, dogue argentino, dogue de bordeuax, grande pirineus, komondor, kuracz e mastiff. Emenda apresentada pelo relator, senador Gim Argello (PTB-DF), permite ao poder público a inclusão de outras raças que forem consideradas perigosas.

Pelo texto, fica a cargo dos municípios a fiscalização do cumprimento da lei. As prefeituras também serão encarregadas de cobrar as multas que, caso não sejam pagas, implicarão o sacrifício do animal apreendido.

É evidente que a quase totalidade das prefeituras terá dificuldades para cumprir essa nova atribuição, uma vez que, em geral, o quadro de fiscais é sempre insuficiente para a fiscalização de normas como as referentes ao uso e ocupação de solo, ao comércio ambulante, a obras, etc. Além disso, os fiscais teriam de ser especialmente treinados para exercer essas novas funções – que exigirão, por exemplo, que saibam distinguir os cães pelas suas raças.

A regulamentação da criação, dos cuidados que os proprietários devem ter com seus cães e, principalmente, a atribuição de responsabilidade civil e penal pelos danos físicos e materiais que os animais causem são indiscutivelmente necessárias.

Mas, como está redigido, o projeto certamente servirá para punir os donos de cães que firam terceiros, mas de pouca valia será para evitar, por ação preventiva, essas ocorrências.