Tendência? Cachorros populares dos anos 70 e 80 estão ficando “fora de moda”

Novo Hamburgo – “Antigamente, o cachorro era um guaipeca qualquer. As únicas ‘marcas’ eram policial e pequinês. Mas hoje em dia, inventaram um mundaréu de marcas de cachorro: é poodle, maltês, yorkshire, dachshund, teckel, Tucson, Sportage, Hilux cabine dupla. Ai, já misturei carro com cachorro.’’

A frase é uma marca registrada do personagem Guri de Uruguaiana, interpretado pelo humorista Jair Kobe, e resume bem um fenômeno registrado no Brasil: a proliferação de raças importadas. Pequenos, grandes, exóticos. Ao todo, são pelo menos 370 as raças à venda no País. Os bichos de estimação, aliás, se transformaram em um lucrativo filão no mundo dos negócios: pet shops, hospitais veterinários e, nos Estados Unidos, até uma companhia aérea especialmente criada para transportar com mais conforto os bichos, a Pet Airways.

Mas afinal, o que aconteceu com os cães que eram muito populares nos anos 70, 80, como o pastor alemão, o collie, o dobermann? E quais as explicações para o vertiginoso aumento do número de raças no Brasil? As razões são muitas: além do fator moda, ditado pelo cinema e pela tevê, e da abertura do mercado às raças importadas, há a restrição do espaço físico (determinada pelo fato de muita gente morar em apartamento) e a relevância cada vez maior do custo/benefício. ‘‘Houve uma grande abertura do mercado no País, que hoje tem excelentes criadores importando inúmeras raças de outros países’’, justifica o médico veterinário João Carlos Pereira, dono de hospital veterinário em Novo Hamburgo.

ABERTURA
O presidente do Kennel Clube do Rio Grande do Sul, Victor Hugo Leal, entidade com sede em Porto Alegre que reúne 600 criadores no Estado, observa que a abertura do mercado começou no início dos anos 90, quando o número de raças disponíveis não passava de 100.

Outro fenômeno que determinou mudança de postura no momento dos donos definirem a raça dos bichos foi a urbanização. Como nem todos moram em uma casa com quintal ou um amplo pátio, cresceu o número de ‘‘cães de apartamento’’. Isso exigiu a escolha de animais com porte menor. Assim, poodle, pinscher, chihuahua e shih-tzu tornaram-se cada vez mais populares. ‘‘Mas há muitos malucos que moram em apartamento e têm labrador, por exemplo’’, comenta Leal, criador há mais de duas décadas em Porto Alegre.

Dessa forma, algumas raças de menor porte atendem melhor às exigências de quem mora em apartamento: são mais silenciosas, demandam menos espaço físico – podendo ser transportadas no carro e até na bolsa da dona –, soltam menos pelo e exigem menor quantidade de ração, o que se traduz em custos reduzidos. ‘‘Um saco de ração alimenta um fila somente durante um mês, mas dá para 18 chihuahuas pelo mesmo período’’, observa Leal, que já ganhou 13 campeonatos mundiais com a raça fila.

Sinal dos tempos: pastor alemão, dobermann e collie estão “sumindo”
Quando o veterinário João Carlos Pereira começou na profissão, em 1987, os cães mais comuns eram o pastor alemão, collie e dobermann. ‘‘Hoje, são raridades entre os mais de mil animais atendidos mensalmente aqui no hospital’’, observa. As interferências na genética das raças que fizeram sucesso nas décadas passadas são outro fator elencado pelo adestrador e empresário do setor de pet shops Fernando Ricardo Figur. ‘‘Sempre houve criadores sérios no mercado, mas oportunistas começaram a realizar cruzamentos de forma desordenada, o que diminuiu a qualidade dessas raças e também o interesse por parte das pessoas’’, enfatiza.

Há também o fator moda que, assim como causa reflexos em outros segmentos, também interfere no ramo dos bichos de estimação. ‘‘Assim como o pitt bull foi um dos cães preferidos nos anos 90, os cachorros menores estão na moda, o que influencia bastante as pessoas’’, acrescenta.

Cada vez mais raras, as raças mais nobres também custam cada vez mais caro: um filhote de dobermann, por exemplo, não sai por menos de R$ 1 mil. Caro? Há cães importados cujo preço pode chegar a US$ 25 mil. Por esses e outros motivos, raças que fizeram parte da infância de muita gente, tanto na vida real quanto no cinema, são cada vez mais raras correndo e brincando nos pátios.